Rio & Berlim & Sydney & Berlim

Felipe Carvalho
11 min readJul 13, 2018

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Como contei em alguns posts anteriores, eu e minha ex-esposa decidimos sair do Brasil e colocamos esse plano em prática no início de 2015. Nos mudamos pra Berlim e tivemos 2 excelentes anos por lá. Mas este não era nosso destino final.

Lá pelos idos de 2013, quando resolvemos sair do Brasil, viajamos para diferentes países, visitando diferentes cidades em busca de um lugar onde nos víssemos vivendo no futuro. Em janeiro de 2014 visitamos a Austrália, mais especificamente Sydney e Melbourne, e chegamos a conclusão que nosso destino seria Austrália. Assim, depois de 2 anos morando “temporariamente” em Berlim, entendemos que havia chegado a hora de ir pra Austrália.

Clima agradável, povo receptivo, idioma que falamos fluentemente, o que poderia dar errado?! Here we go, mate!

Aportando em Sydney

Ao chegar a Sydney, nossa programação era passar os primeiros 10 dias num quarto de casal numa casa de família, e em seguida passar um mês num apartamento alugado de uma brasileira que estava indo passar as férias no Brasil. Nos primeiros 5 dias tivemos uma experiência bem ruim, tivemos muitos desentendimentos com a família dona da casa e acabamos saindo de lá e pegando um AirBnB até chegar a hora de pegar o apartamento. E a experiência ruim nesses primeiros dias só fez reforçar a nossa impressão de que tínhamos cometido um erro.

Não pelos donos da casa, nós sabíamos que pessoas como eles eram exceção aqui, mas ao passear pelas ruas, olhávamos para as casas, os cafés, os parques e pensávamos: “que diabos eu vi nesse lugar quando vim aqui da primeira vez?”.

Não é dizer que Sydney seja uma cidade ruim. Pelo contrário, é uma cidade com muito verde, o centro da cidade tá com várias obras em andamento pra melhorar o transporte, é muito fácil se comunicar com as pessoas na rua, você pode marcar horários pela internet pra resolver burocracias, as praias são bonitas e conectadas por trilhas asfaltadas, a internet móvel é fantástica, tudo é online, conectado, just in time. Enfim, pra quem sai do Rio é como se fosse um paraíso. E o problema tá justamente nessa partezinha do “pra quem sai do Rio”.

Quando o coração manda…

No fundo, olhando pra trás, acho que já começou errado e não tinha como dar certo. Explico: quando saímos do Brasil, estávamos extremamente cansados de lá, não cogitávamos sequer sair do Rio pra morar em outra cidade brasileira. Então, quando chegamos em Berlim, foi uma mudança “bem quista”, nós ansiávamos por aquela mudança, queríamos algo diferente urgentemente.

Quando decidimos ir embora de Berlim, foi justamente o contrário. Nós não queríamos ir embora naquele momento. No dia de registrar nossa saída no respectivo órgão da prefeitura, minha pressão disparou (e eu nunca tive nem voltei a ter problema de pressão). Um amigo de longa data tinha acabado de se mudar pra Berlim. Com a chegada dele, fizemos amizade com outras pessoas que ele conhecia, fora os amigos que já tínhamos por lá. Nós adorávamos morar no nosso apartamento e no nosso bairro, não estávamos nem um pouco cansados de morar por lá. Então, quando chegamos em Sydney, injustiça das injustiças, nós não queríamos um lugar novo e diferente, não chegamos tão abertos a algo novo, queríamos nosso apartamento de volta.

A primeira diferença a nos chamar a atenção (de forma gritante) diz respeito a forma de se deslocar pela cidade. O primeiro bairro em que ficamos ao chegar em Sydney (Naremburn) ficava muito próximo de um outro chamado Crows Nest, muito rico em restaurantes, supermercados e cafés, o que deveria ser um facilitador para a gente, uma vez que adorávamos parar nos cafés de Berlim. Porém, ao contrário de Berlim, que é uma cidade totalmente plana, Sydney tem um terreno totalmente acidentado. O hábito berlinense de se deslocar pela cidade a pé ou de bicicleta é simplesmente impossível de se reproduzir em Sydney, especialmente na parte norte da cidade, que por acaso era onde estávamos. Nós adoramos passear a pé, e em Sydney esse é um hábito extremamente cansativo, uma vez que qualquer deslocamento de mais de 100m invariavelmente inclui subir e descer ladeiras.

Talvez por causa disso, em Sydney tem muito carro. MUITO carro. Algo que adorávamos em Berlim era justamente a baixa poluição sonora causada pelos motores. Em Sydney o que mais se ouve é barulho de motor, em qualquer horário do dia ou da noite, especialmente nos bairros mais próximos do CBD, ou da City.

Mas como bem sabíamos desde o Brasil, carro é um brinquedo caro. Além de pagar a prestação da compra (que na Austrália não parece ser tão cara), tem que pagar seguro, gasolina, etc, e nós definitivamente não queríamos carro. Mas quem não quer carro numa cidade em que todo mundo dirige, tem que se sujeitar ao transporte público. E aí começa a ficar mais complicado pra quem não gosta de carro e não gosta de perder tempo.

O transporte público em Sydney é muito baseado em ônibus. A cidade ainda conta com um serviço de trem bem razoável, mas ele se destina mais a levar as pessoas para os bairros mais distantes, não se destina tanto a facilitar o deslocamento pela cidade. Esse deslocamento interno fica a cargo dos ônibus. Porém, os ônibus normalmente só passam nas vias principais dos bairros. Se você mora numa casa ou apartamento numa rua mais tranquila, são grandes as chances de que não passe ônibus na sua rua. E aí você tem que andar uns 5–10 minutos até o ponto. Muitas vezes ladeira acima. Já experimentou ir pra academia fazer 10 minutos de esteira ladeira a cima? Experimenta agora jogar uma roupa social por cima, no caminho pro trabalho. Legal, né?

Até aí tudo bem, se os ônibus passassem na hora. De novo entra a questão do contexto aqui. Comparado ao Rio, o sistema de ônibus daqui é sensacional: você compra um bilhete eletrônico pré-pago no 7/11 (rede de lojas de conveniência) e ao entrar e sair do ônibus você passa esse bilhete num sensor, que contabiliza o quanto custou sua viagem de acordo com o quanto você andou. Além disso, os pontos de ônibus tem um papel com o quadro de horários das linhas que passam naquele ponto. Na maioria das vezes o ônibus passa no horário previsto, mas pelo menos você tem uma noção de que horas ele vai passar. Comparado ao Rio, é o céu, certo? Pois é, comparado a Berlim, não é tão bom assim.

Em Berlim, você pode comprar um bilhete semanal, mensal ou anual. Ao entrar no ônibus, basta mostrar o cartão ao motorista e tá tudo certo. Na saída, é só sair do ônibus, não precisa passar em sensor nenhum (por sinal, esse negócio de passar o cartão na saída eu acho um inferno, tem que lembrar toda hora de catar o cartão no bolso antes de sair do ônibus). E o preço é fixo. Não é barato, mas você pode andar quantas vezes quiser dentro do período que você comprou. No fim do mês é uma bruta duma economia. Além disso, nos lugares de maior movimento, além do quadro de horários em papel, os pontos de ônibus tem televisões dizendo dali a quanto tempo cada ônibus vai passar. E são bem poucas as linhas que não passam no horário previsto. A função dos ônibus e dos trens em Berlim também é diferente: ambos tem a função de facilitar o deslocamento pela cidade, fazendo com que se tenha que andar bem pouco pra chegar num ponto de ônibus, metrô ou trem. E a diferença no tempo de deslocamento também é brutal. Como em Berlim há menos carros nas ruas e o transporte é mais integrado, dificilmente se gasta mais de meia hora pra se ir de um ponto da cidade a outro. Em Sydney, ao contrário, dificilmente gasta-se menos de meia hora pra ir de um ponto a outro. Há ocasiões em que ir a pé é tão rápido quanto ir de transporte público, dependendo da distância e do trajeto. Por quê demora tanto? Porque, dependendo do trajeto, você tem que pegar 2 ou 3 ônibus. E tem que andar do ponto de um até o ponto do outro, muitas vezes ladeira acima. E o ônibus não passa na hora prevista. E por aí vai…

Como disse um colega polonês do meu emprego em Sydney, nesse aspecto a Austrália lembra um pouco os EUA, onde praticamente não há transporte público (exceção feita a NY). Aliás, não é nesse quesito que os dois se parecem.

Se você acha que mora numa cidade em que você pode sair na rua do jeito que quiser, eu te garanto: você ainda não foi a Berlim. No verão eu ia trabalhar de bermuda de praia e Havaianas no pé. Há poucas coisas mais libertadoras do que se vestir da forma que você se sente mais confortável, se expor no ambiente de trabalho da forma como você se vê, e ser respeitado e tratado com normalidade pelos teus colegas e teus superiores. Isso pra mim é algo que não tem preço.

E ao chegar em Berlim, me senti voltando no tempo, à época em que trabalhava no Rio. Pessoas “engravatadas”, enfiadas em roupas sociais justíssimas, dirigindo carros potentes, com seus indefectíveis copos de café na mão e corpos perfeitos, exatamente como você vê nos filmes de Hollywood. Cara, isso me dá calafrios. Na época da minha vida em que eu considerava normal usar roupa social pra trabalhar, eu já não o suportava. Ter que fazê-lo de novo era desesperador pra mim.

Visitas ao centro da cidade, então, eram como excursões ao inferno. Prédios altíssimos, gigantes de vidro, rodeados a seus pés por hordas de pessoas bem vestidas e apressadas, correndo em direção a sabe-se lá o quê (tomara que elas saibam!). Eu nunca gostei disso, saí do Rio por estar cansado disso, de ruas cheias, transporte cheio, gente apressada em direção ao nada e deixando sua vida de lado.

E aí vem o problemão: em Berlim eu verdadeiramente me encontrei. Encontrei uma cidade em que subir o prédio mais alto não é uma prioridade. De fato, a maioria das pessoas a procura de um lugar pra morar prefere os prédios antigos, baixos, com piso de madeira e uma varandinha modesta. Ninguém se importa com sua forma de se vestir. A cidade não tem um centro, as empresas se espalham pelos quatro cantos da capital uma vez partida, levando consigo os meios de transporte, deixando as ruas menos lotadas e possibilitando que se possa ter mais opções de escolher onde se morar. As pessoas dão bom dia umas as outras dentro do seu prédio, mesmo que não troquem mais nenhuma palavra no resto do tempo. Em Berlim encontrei uma comunidade mais justa, mais preocupada com o bem maior, e não em indivíduos preocupados em acumular o máximo possível pra si.

Me encontrei não só no aspecto pessoal, mas também no profissional. Nas 3 empresas em que trabalhei, o tempo todo havia uma preocupação em não se jogar dinheiro fora, em fazer a coisa mais simples possível que dê retorno mais rápido. Em Sydney, trabalhava numa consultoria de TI super conceituada, alocado na Qantas, uma das maiores empresas do país, responsável por 50 mil empregos diretos e indiretos. Demorei mais de um mês para ter todos os acessos que precisava. Fui colocado num time que efetivamente não precisava de uma pessoa a mais, simplesmente porque estávamos trabalhando num projeto que não tem razão de existir. Nós sabíamos disso, as pessoas da Qantas envolvidas no nosso projeto também sabiam disso, mas ninguém se importava, porque o importante não era fazer o melhor uso possível do dinheiro da Qantas, mas sim gastar o dinheiro que estava marcado pra ser gasto no orçamento do ano. Esse tipo de “bullshit” corporativo é algo que eu estava feliz de ter me livrado, voltar a conviver com esse tipo de irresponsabilidade foi algo que me desgastou muito.

Falando em dinheiro, a Austrália é bem cara (mas isso já sabíamos antes de vir). Comer é bem caro, supermercado é caro, viajar, então, é caríssimo. Pra quem estava acostumado a uma vez por mês passar um final de semana em outro país pagando EUR 80 em uma passagem de avião, é meio assustador pensar em pagar AUD 120 pra passar o final de semana em Melbourne (quase uma ponte aérea).

Mas será possível que não tem nada de bom?

Não é bem assim. Eu acho que muito provavelmente estou sendo injusto em muita coisa, estava cego pela minha saudade de Berlim na época.

Com um clima totalmente diferente, em Sydney a vida corre muito mais ao ar livre. Ir a praia, surfar, fazer caminhadas, tudo isso é muito mais corriqueiro por lá. Além disso, num clima de praia, o culto ao corpo prevalece, o que faz com que seja muito fácil encontrar uma academia muito boa por um preço bem baixo em qualquer esquina. Normalmente, ao passar por um parque ou a beira da praia, você vai ver gente se exercitando. A alimentação em Sydney também é muito melhor, é muito fácil se encontrar lugares pra se tomar suco, pra se comprar ou comer comida natural, etc.

As pessoas lá também valorizam bastante seu tempo pessoal. Pra quem trabalha em escritório, o dia realmente tem 8h, ou seja, se trabalha das 09:00h as 17:00h. Perceber que você trabalhou, malhou e ainda chegou em casa antes das 19h é realmente muito bom.

Arrumar uma consulta com um médico no curto prazo também é muito mais fácil em Sydney do que em Berlim. Em Berlim, pra se conseguir algo no curto prazo, tinha que já ser paciente do médico. Em Sydney, em todos os lugares em que precisei me consultar, invariavelmente, arrumei horário pra mesma semana (quiçá no mesmo dia, ou no dia seguinte).

Isso sem contar o idioma. Depois de 2 anos sem conseguir se comunicar direito na rua, confesso que é um alívio poder conversar normalmente com qualquer um que passa na rua. Isso também é algo que não tem preço.

Então tu tá reclamando de quê?

Na real, de nada. Escrevi esse post só pra falar de coisas da vida e de como a sua visão de mundo pode mudar com o tempo e com as experiências que você tem. E de como a gente tem que estar preparado pra mudar o planejamento quando necessário.

Queria também passar um pouco da minha visão sobre morar em Sydney (não me considero em condições de dissertar sobre a Austrália em geral) e botar pra fora as conclusões as quais cheguei depois de 3 semanas morando em Sydney.

Eu acho que, de fato, cometemos um erro. Hoje penso que só deveríamos ter saído de Berlim se chegássemos ao ponto de não suportar mais morar lá. Sair de uma cidade onde você gosta da sua moradia e do seu emprego hoje em dia considero suicídio, mas eu tinha que passar por essa experiência pra chegar a essa conclusão. E morar num lugar forçando a barra pra se adaptar quando na verdade você quer estar em outro não faz o menor sentido.

De volta para o futuro

No final, não aguentamos muito tempo. Chegamos em Sydney em 25/fev/2017. No dia 16/jul/2017 eu embarquei no vôo QF27 com destino a Santiago do Chile e depois para o Rio, com a intenção de nunca mais voltar.

As conclusões as quais cheguei nessas 3 semanas permaneceram durante os meses seguintes. Em geral, esse tempo na Austrália foi meio que uma redescoberta de mim mesmo. Algumas pessoas passam 2 anos num mosteiro pra se encontrar. Outras percorrem o Caminho de Santiago. Eu fui morar em Sydney :)

No dia 27/jul/2017 eu embarquei de volta pro lugar de onde nunca deveria ter saído: Berlim :)

Mas o que rolou desde então é outra história, pra ser contada em outros posts…

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Felipe Carvalho
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